domingo, 27 de fevereiro de 2011

Moacyr Scliar (1937-2011)


    
      Moacyr Scliar, um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, morreu à 1h desta madrugada, aos 73 anos, em Porto Alegre, cidade onde nasceu e viveu por toda a vida. Ele estava internado numa unidade de tratamento intensivo do Hospital de Clínicas da capital gaúcha desde 17 de janeiro, após sofrer um acidente vascular cerebral quando se recuperava de uma cirurgia no intestino.
     Médico sanitarista, gaúcho e judeu – seus pais chegaram ao Brasil fugindo de perseguições na Rússia –, Scliar construiu desde sua estreia na literatura, em 1962, com “Histórias de um médico em formação”, uma obra vasta e premiada que reflete sobre essas facetas de sua identidade. Ao longo de oito dezenas de títulos, entre a narrativa e o ensaio, firmou um estilo em que a erudição se alia ao humor, com toques de fantástico. Foi também um prolífico autor de literatura infanto-juvenil.
      Entre seus livros de maior projeção internacional estão “O centauro no jardim”, “Exército de um homem só”, “A estranha nação de Rafael Mendes” e “Max e os felinos” – este, sobretudo devido à polêmica com o canadense Yann Martel, que, após ser acusado de plágio, admitiu ter se “inspirado” em seu ponto de partida narrativo (um rapaz preso num pequeno barco com um grande felino selvagem) para escrever o premiado “A vida de Pi”. O episódio provocou “furor” no mundo das letras, segundo reportagem de 2002 do “New York Times”.
     Chamado pelo crítico argentino Alberto Manguel de “um dos melhores fabulistas brasileiros”, Scliar foi traduzido em mais de uma dezena de línguas, inclusive – de modo especialmente significativo para sua biografia – hebraico e russo. Deixa vaga a cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em 2003.
     “A literatura não pode mudar o mundo, mas a minha geração achava que sim”, afirmou Scliar em entrevista de dois anos atrás. “Da mesma forma como acreditava a geração de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz. Em todo caso, se a literatura mudar pessoas, isso já é suficiente. E ela muda.”

Fonte: Todo Prosa

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Sobre o que escrever?



Sempre acompanho o site O-Bule e achei esta matéria da Paula Cajaty muito interessante. Para aqueles que querem se aventurar pelo universo da escrita é sempre bom ouvir a história daqueles que já estão há algum tempo no ramo. Eu sempre fico curiosa para saber como os grandes escritores começaram, se tiveram as mesmas dificuldades iniciais, se passaram pelos mesmos dilemas. Estou prestes a terminar meu primeiro romance e neste momento passo por muitos  questionamentos. Será que meu livro vai ser aceito por alguma editora?  Será que os leitores vão gostar? Será que vou continuar exercendo a profissão? Será, será será????
São tantas dúvidas e receios...E quando encontro algum escritor conhecido contando o quanto o início foi difícil, ah! é um alívio. Que horrível isso! Eu sei. Mas é nesse momento que a esperança invade meu peito e eu penso: Sim, é possível!!!!
Segue a matéria. Grande beijo para vocês e obrigada àqueles que cobraram nossa ausência.
Estamos de volta! 
Cris Gusmão


e-Oficina para novos escritores: Caindo na real - como esbarrar no que se chama 'a visão da obra


    Escrever não é, de fato, sentar-se à frente de uma folha ou tela em branco, e contar a vida com floreios numa linguagem semi-poética que se arrogue literária. A isso se chama solipsismo, idéia filosófica decorrente do niilismo e são verdadeiros perigos que se põem à boa literatura (a respeito, vide A literatura em perigo, de Tzvetan Todorov, DIFEL, 2009). Diante dessa constatação, nenhum argumento racional resiste, bastando confrontar os escritos de blogs com a literatura clássica e moderna universal.
    Escrever também não é um trabalho que resulte em pagamento de salário ao final do primeiro mês, após terminada a primeira linha escrita. É um trabalho em geral não remunerado ou, na melhor das hipóteses, mal remunerado, à exceção óbvia dos autores dos best-sellers internacionais. Desta forma, o aspirante a escritor já deve ter uma outra alternativa à sua manutenção, antes que se dedique à arqueologia das palavras.

     A primeira coisa que um escritor deve levar em consideração é o tema de seus escritos.
   Há quem defenda que um escritor deve ser capaz de escrever sobre qualquer coisa. Mas isso não é verdade: não existe a possibilidade de alguém no mundo ter domínio completo para escrever "sobre qualquer coisa".
    Para se escrever sobre determinado assunto é necessário conhecimento e pesquisa - muita pesquisa. É preciso um mergulho para dentro - do tema e de si mesmo.
    José Castello, em suas aulas, gosta de dizer que todos temos obsessões. E, no caso do escritor, as obsessões são boas, porque são exatamente elas que o definem, o diferenciam e, por consequência, pautam seu eixo temático e modo de escrita.

     Por sua vez, encontramos em uma entrevista de Luiz Ruffato para o Jornal Rascunho a explicação sobre como ele enveredou pelo caminho do drama operário-urbano e tornou esse o seu assunto preferido e, ainda mais, como desenvolveu a forma própria de escrever sobre isso. Ruffato, nessa entrevista, nos conta que "um dia, quis escrever" e, logo em seguida, se perguntou "mas sobre o que eu quero escrever?"
    Essa pergunta é crucial para todos aqueles que se pretendem escritores: a princípio, sente-se um branco inicial ("eu não sabia sobre o que escrever") mas, depois, com a reflexão serena do que temos à nossa volta, é possível relacionar fatos, particularidades da vida, aquilo que nos distingue e nos torna únicos.

    Claro que não basta pensar: "eu assisto seriados, logo, vou escrever sobre os seriados norteamericanos". Essa pergunta - sobre o quê escrever - deve ser seguida por uma pesquisa interna. Devemos, então, perscrutar o que conhecemos a fundo, sobre o quê nos debruçamos e sobre tudo aquilo que mais nos comove: essa é a obsessão, o assunto sobre o qual poderíamos estudar e discorrer por dias a fio.
     Foi exatamente assim que Ruffato descobriu sua vocação e, logo depois, seu assunto.
    Acontece que não basta o assunto, apenas. É preciso um projeto de trabalho, um work in progress tal como concebido por James Joyce em Finnegans Wake, uma estruturação daquilo que vai ser examinado, tal como se o livro não fosse apenas um livro, mas uma pesquisa disfarçada de romance, livro de contos ou de poemas.

    Tomado esse primeiro passo, então, há que se empreender um estudo profundo de tudo o que já se publicou no Brasil e no mundo sobre o seu tema ou, ao menos, as obras principais. Isso é essencial, na medida em que é necessário entender onde o escritor pretende se inserir e verificar quais as outras obras que dialogam com o seu trabalho.
      No caso de Ruffato, ele conta que levou um susto, pois não havia nada sobre o tema que havia escolhido desenvolvido em livro (de conteúdo estritamente literário) no Brasil. Encontrou, apenas, alguns trabalhos paralelos ou tangentes ao seu tema, como O cortiço de Aluísio de Azevedo, Os corumbás de Armando Fontes e, no fim dos anos 70, o trabalho de Roniwalter Jatobá.

      Identificado o assunto e feita a pesquisa, o trabalho do escritor continua. Conhecedor profundo do tema e ciente do que já existe de importante escrito em seu país e no mundo sobre ele, é necessário estabelecer o formato pelo qual o autor se expressará. Obviamente que a história não precisa ser genial, revolucionária, iniciática, nem conter nenhum adjetivo megalômano - requer-se que, no mínimo, o autor saiba do que está falando, ou escrevendo.
       Há vários formatos e estilos literários disponíveis. Todos eles são usados pelos escritores com razoável desenvoltura. De fato, para cada história existe uma ótima forma de contá-la. Não fosse assim, todos os livros de Oscar Wilde seriam como os de Agatha Christie: uma história que muda, mas no final das contas, é sempre a mesma (e atenção, eu não odeio Agatha Christie por isso!).

       Aqui, um parêntesis. Há escritores que buscam uma redação massificada. E isso, a rigor, não pode ser criticado, até porque a literatura de massas faz muito mais pela cultura geral do que o desenvolvimento de formatos e estilos próprios, muito premiados, mas que pouco vendem. É imprescindível, pois, que o escritor, antes de desenvolver seu trabalho, verifique qual seu objetivo com a literatura, e com a escrita de seus textos.
     Existe, realmente, um formato adequado para cada estilo literário: romance, novela, conto, crônica, poesia, além da mistura entre esses formatos, como é feito com a "prosa poética" ou a "poesia em prosa". Camões, por exemplo, fez uma epopéia em poesia. Mas esse é um assunto que será melhor desenvolvido em outro capítulo.

      Se, finalmente, o escritor optar por uma literatura mais elaborada, deverá também analisar a forma e estilo que serão utilizados no texto.
        Assim, veja-se que Martha Medeiros escreve sobre o cotidiano feminino, em formato de crônicas, Neil Gaiman escreve histórias de terror em formato de contos curtos, Lya Luft escreve sobre os abismos da personalidade, em textos de prosa realista e contos de ficção. Já Veríssimo é o mestre do humor em crônicas e contos curtos, Adriana Lisboa escreve sobre sensibilidades que refogem ao olhar, e José Castello tem preferência sobre textos poéticos fazendo exercícios de aprofundamento frase a frase. Milton Hatoum, por sua vez, se esmera numa literatura regionalizada e grandiloquente, ambientada no Amazonas, e João Gilberto Noll domina uma ficção cíclica, obsessiva e erigida sobre absurdos. Cada escritor com seu tema preferido, com seu estilo próprio, com seu jeito único de contar.

         Agora é hora de escolher o seu assunto, o seu estilo, o seu jeito de contar e montar o projeto do seu texto com tudo aquilo que mais te incendeia, que mais te incomoda, que puxa pelo pé e te acorda para escrever.
           Bom mergulho!

Por Paula Cajaty
Fonte: O-Bule